Uma paixão anglo-brasileira 🇧🇷 🇬🇧
Entrevista com Silvino Ferreira Junior
1) Qual é a sua formação profissional?
- Eu estudei Ciências Sociais na Universidade Federal de Pernambuco, com foco em Ciências Políticas, mas abandonei o curso e, alguns anos mais tarde, por acaso, descobri a publicidade. Trabalhei como redator publicitário durante mais de 20 anos.
2) Há quanto tempo você reside em Londres? O que te trouxe até aqui?
- Eu moro em Londres desde 2006. Eu já havia morado na cidade como estudante durante um ano (1998/1999). Em 2006, vim para passar uma temporada de 2 meses. Neste período, conheci a Susan Millard. Voltei para o Brasil e continuamos em contato. Decidi voltar e ver como a relação evoluiria. No ano seguinte, 2007, nos casamos.
3) Como surgiu a idéia de criar o Canal Londres?
- A Susan estudou cinema e, logo que terminou a universidade, começou a trabalhar em produções para TV e também se interessou por conteúdo em vídeo para a Internet. Em 2008, a gente conversava sobre a ideia de produzir um documentário sobre os brasileiros em Londres. No meio da conversa, ela sugeriu que a gente tivesse um canal onde os brasileiros pudessem contar e compartilhar suas histórias em mini-documentários. Em abril de 2009, lançamos o Canal Londres com 9 videos.
4) Você o fez sozinho ou contou com parcerias? Você encontrou muita resistência no início?
- Tudo sempre feito em parceria com a Susan e, aos poucos, fomos adicionando novos parceiros: Kleber Saúde, apresentador das séries “Dicas de Londres” e “Dicas de Viagem”; Heloisa Righetto, apresentadora da série “Design em Londres”; Teno Silva, redator, assistente de câmera, um faz tudo; Vânia Gay, apresentadora da série “Guia para conhecer Londres”; Arturo Mestanza, editor. Não houve resistência. Desenvolvemos um modelo que é bem autônomo: não dependemos de patrocínio, não dependemos de elenco, grandes equipes de produção ou toneladas de equipamentos. Vamos completar 8 anos em abril e nunca falhou: cada semana colocamos 2 vídeos no ar. É uma média de 100 vídeos por ano, produzidos em 17 países. Estamos construindo um belo arquivo sobre o brasileiro no exterior, mais especificamente, em Londres e na Europa. Não há nada semelhante no universo da Internet brasileira.
5) Como é a sua interação com o público que acompanha o C.L?
- É uma relação muito positiva. Não lembro de nenhum conflito. A gente acaba sendo um “consulado informal” do Brasil em Londres. Recebemos muitos pedidos de informações sobre questões práticas. Respondemos algumas e outras a gente encaminha para quem pode dar a resposta mais adequada. São questões sobre imigração, trabalho, vida no Reino Unido, casamento com estrangeiros, etc. Também recebemos muitos CVs, de jornalistas e profissionais da indústria audio-visual.
6) Conte algum fato inusitado que tenha ocorrido durante o seu trabalho.
- Uma curiosidade interessante tem a ver com a imagem que a gente projeta. Muita gente pensa que somos uma grande empresa de comunicação. Um jornalista brasileiro, muito conhecido, nos seguia no Twitter e, certa vez, nos mandou uma mensagem elogiando o trabalho e manifestando o desejo de “conhecer os nossos estúdios”. Eu disse a ele que teria muito prazer em recebê-lo em nossa casa e que o nosso estúdio era um pequeno quarto do flat onde moramos. Acho que ele ficou decepcionado, porque perdemos um seguidor.
7) O que você acha sobre a saída do Reino Unido da Union Européia?
- Eu penso que o ideal é sempre construir mais pontes e derrubar mais muros. Fiquei muito triste quando saiu o resultado do referendum. Tão triste quanto quando soube que Trump seria o novo presidente norte-americano. Não acho que será o fim do Reino Unido, mas considero um passo atrás na ideia de um mundo com menos fronteiras. Acho também que a União Europeia desempenha um papel importante em um continente com um histórico de tantas guerras ao longo do tempo. Penso que a ideia de que “estamos todos no mesmo barco” ajuda a evitar guerras. O nacionalismo, ao lado da religião, é um dos grandes fatores da origem das guerras.
8) Londres é uma cidade incrivelmente fascinante! Poderia defini-la em apenas 3 palavras?
- “Cidade incrivelmente fascinante”... rs!
9) A gastronomia inglesa sempre foi conhecida pelo "Fish and Chips". Como você avalia esta mudança nos hábitos gastronômicos de uma cidade tão cosmopolita?
- Londres é uma prova de que você pode promover uma revolução a partir da cozinha. Em 98, na escola onde estudava inglês, lembro de uma piada que dizia mais ou menos o seguinte: “se tem um negócio com 100% de chance de dar errado é você abrir um restaurante inglês no exterior”. Duas décadas depois, você tem chef inglês reconhecido mundialmente e o fenômeno do pub gastronômico com menus maravilhosos. De repente, vejo o londrino tão apaixonado por culinária como é por jardinagem. Por outro lado, é fantástico viver em uma cidade com cores e sabores de todas as partes do mundo.
10) Na sua opinião, por que Londres provoca tanto fascínio nas pessoas mundo à fora?
- No caso do brasileiro, a surpresa. Muita gente tem a ideia preconcebida de que Londres é uma cidade cinza, chuvosa e habitada por gente fria e indiferente. Quando chega aqui o impacto não poderia ser maior: descobre-se uma cidade de vanguarda, com gente do mundo inteiro, que preserva a história mas olha pra frente. Ao conhecer a cidade mais de perto, começa a fazer sentido a velha frase de Samuel Johnson: “Se você está cansado de Londres, você está cansado da vida”.
11) Qual é o seu local preferido em Londres?
- Um bom pub com o Thames à minha frente.
12) Você poderia dar uma dica exclusiva aos nossos leitores? Aquela dica que não está nos guias de viagem!
- Tudo depende do perfil de quem vem à cidade. Também do tempo que vai ficar por aqui. Se você vem por 3, 4 dias, não tem como fugir do roteiro tradicional. Mas Londres é bem mais que isso. A cidade também é fascinante fora do centro. Tendo tempo, eu tiraria um dia para um passeio por lugares como Brixton, onde vive a população afro-caribenha, por exemplo. Hampstead, no norte da cidade, é um bairro com cara de uma vila interiorana, pubs bacanas, cafés que lembram Paris, com um padrão de vida altíssimo, porque ali moram muitos artistas e celebridades. Também é um belo passeio alternativo, dependendo do que você curte.
13) Qual é o programa mais que obrigatório para quem visita a cidade?
- Um passeio ao longo da margem sul do Thames, entre a Tower Bridge e a Westminster Bridge. Você vai voltar pra casa com todas as provas de que visitou a cidade: Tower Bridge, Tower of London, Shakespeare Globe Theater, Pubs, Tate Modern, St Paul, Millennium Bridge, London Eye e o Big Ben estão todos ao alcance do click da sua câmera.
14) Quando você não está trabalhando, qual é o seu programa preferido já cidade?
- Ir a um pub em boa companhia. Felizmente, a Susan curte fazer a mesma coisa, então, é um programa bem frequente. Tenho o meu local pub.
15) Cite um mito sobre Londres?
- Dizer que Londres é uma cidade onde só chove é uma grande bobagem.
16) Cite uma curiosidade sobre a capital britânica.
- Acho bacana essa definição: “Em Londres os museus são de graça, mas você paga para visitar as igrejas.”
17) Na sua opinião, como o Brexit afeta a comunidade brasileira ja Europa e sobretudo na Inglaterra?
- A resposta mais sincera que posso dar é: “não sei”. Agora, o que afeta todo mundo, incluindo os brasileiros, é esse grande interrogação pairando sobre as nossas cabeças . A incerteza e a falta de informações confiáveis sobre o que vai acontecer, geram ansiedade e medo.
18) Com a multiplicação de sites e canais, como podemos prender a atenção dos telespectadores.
- Eu acho que o maior dos desafios é tirar as pessoas do Facebook e levá-las para o seu site. Por enquanto, a melhor resposta é: “usando o Facebook”.
19) Dizem que brasileiros não tem o hábito da leitura e preferem assistir TV. Você concorda com esta afirmação? Qual é a sua opinião à respeito?
- Isso é um fato. Por isso a novela é um fenômeno tão brasileiro. Uma das razões da nossa tragédia é que somos um povo que não lê. É triste. Com as redes sociais, isso ficou ainda mais exposto: passamos a ser um povo que não lê mas que adora expressar o que pensa através da escrita. Aqui e ali, aparece uma revelação, mas o resultado, no geral, é triste. Somos um povo que não conhece a própria história. E aí já viu, né? Ler comentários nos sites de notícias, por exemplo, é mergulhar em esgoto. Um show de horror. Acredito que a própria Ignorância deve ficar ruborizada.
FΩRMIdea Brasil, 12 de março de 2017. Entrevistado por Valdir Pinheiro e Pierre Scordia.